Já
escrevi duas críticas ao livro «Mar Me Quer», do escritor moçambicano Mia Couto.
Numa disse que não tinha gostado da obra. Na outra já foi o contrário. Esta
terceira crítica vai reforçar a minha opinião, que é positiva, em relação a
este livro. Começando pela sua forma. Forma? Sim, forma. A forma como foi
escrito, a complexidade de cada frase, as palavras que não conhecemos (algumas
até inventadas!), mas com um significado simples por trás, o que torna a
escrita bonita, «estranha», mas interessante.
Há
algumas palavras-chave importantes para entender a história, digo, há palavras
que definem esta obra. Na minha opinião, a palavra que melhor define «Mar Me
Quer» é «Mulher». E não por aparecer uma figura feminina na capa do livro, mas
porque toda a história do livro gira em torno de uma mulher. E essa mulher
chama-se Luarmina.
Há outros
aspetos importantes no texto. Palavras que se encontram num par. E é sobre elas
que eu agora vou escrever. Duas delas são «Homem» e «Animal», que afinal se
ligam na obra, porque várias personagens parecem transformar-se em animal. Isso
acontece, por exemplo, quando o pai de Zeca estava num barco com uma mulher,
que ama, e ela cai ao mar. Agualberto lança-se à água, mas não consegue
salvá-la. Quando regressa à superfície, depois de ter estado muito tempo
debaixo de água, os seus olhos pareciam os de um tubarão! Outro exemplo
aconteceu com Henriquinha, a antiga esposa de Zeca. Ela dizia que ia à missa
todos os domingos, mas Zeca começou a desconfiar e um dia seguiu-a até à Duna Vermelha,
onde viu que a sua mulher se estava a despir e a dançar. Furioso, empurrou-a
falésia abaixo, sem nunca chegar a encontrar o corpo. Mas ouvia, isso sim, o
tempo todo, gritos de gaivota pelo ar …
Depois
temos a ligação «Terra/Mar», que podemos associar ao par «Vida/ Morte». Antes
de Agualberto desaparecer, foi à sua Igreja, que era uma árvore. Colocou um
coral preto no tronco da árvore e outro no chão. Depois, Zeca preparou o barco
e seu pai entrou, navegando mar adentro, para não mais voltar. Antes,
Agualberto tinha agradecido, em Terra, pela sua vida, mas foi o mar que ele
escolheu como destino final, lugar onde ele julgava que tinha morrido (vivido?)
a sua amada.
Com Zeca,
também não é clara a diferença entre vida e morte. No final do livro, quando
ele ouve o mar, vai adormecendo aos pedaços. Muitos leitores pensam que nesta
parte ele morre, mas não, Zeca recomeça, isto é um recomeço.
A relação
entre «Verdade» e «Mentira» acontece durante todo o livro, pois, o que Zeca
vive com Luarmina é uma mentira. Ele acha que não tinha cuidado da amada do seu
pai, acha que não tinha cumprido a promessa que lhe tinha feito, mas, afinal,
sem saber, tinha cuidado dela o tempo todo. É isso que a Dona Luarmina lhe
conta quando percebe que ele vai partir, pois ela própria era essa mulher.
A memória
também tem neste livro um papel importante. Na terra de Zeca, não se lê, não se
vê televisão, nem se ouve rádio. Tudo é
contado oralmente, de boca em boca. Luarmina pede a Zeca inúmeras vezes para
lhe contar histórias, histórias verdadeiras, as suas memórias, mas Zeca nunca
refere o seu passado, nunca fala do que se lembra, porque acha que isso não é
interessante. Então, inventa. Inventa histórias para Luarmina.
As
palavras «Passado», «Presente» e «Futuro» também se ligam, resumindo o tempo de
uma forma aparentemente confusa. Há várias passagens em que isso acontece, mas,
sem dúvida, a mais importante é quando Agualberto abençoa o filho, Zeca, e diz
que ele há de morrer afogado num lençol de pano que vira ondas de água, e isso
acaba por acontecer. O passado é recusado por Zeca e por Luarmina, pois
magoou-os, mas ele acaba sempre por estar presente, em sonhos, memórias e profecias.
A palavra
com que gostaria de terminar é «Sonho». Todo o livro acaba por ser um Sonho.
Luarmina tinha o sonho de ter filhos. Zeca imaginava e sonhava as suas
histórias para oferecer a Luarmina. O pai de Zeca vivia um sonho. Todo o livro
é um sonho.
Em
conclusão, eu gostei de «Mar Me Quer». Mas considero que para gostarmos dele
não basta uma leitura. São necessárias pelo menos três. E não na mesma altura.
Em alturas diferentes, porque assim estamos com disposições diferentes, e isso
ajuda a saber se realmente gostámos do livro ou não.
1 comentário:
Adorei seu texto, você mesmo sendo do 8°, você conseguiu fazer um texto muito carismático.amei,pois consegui entender bastante, obrigada.
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