Chegámos ao fim do mês de março. Como prometido, publicámos diariamente, ao longo do mês, um poema sugerido por um aluno.
Para encerrar o mês, duas das professoras responsáveis pela atividade fizeram também o trabalho proposto aos alunos e partilham, agora, com os leitores deste blogue, as suas sugestões.
POEMA 31/31
Sem Título, Amadeo de Souza-Cardoso (1887 - 1918) |
Um poema cresce inseguramente
na confusão da carne.
Sobe ainda sem palavras, só ferocidade e gosto,
talvez como sangue
ou sombra de sangue pelos canais do ser.
Fora existe o mundo. Fora, a
esplêndida violência
ou os bagos de uva de onde nascem
as raízes minúsculas do sol.
Fora, os corpos genuínos e inalteráveis
do nosso amor,
os rios, a grande paz exterior das coisas,
as folhas dormindo o silêncio,
as sementes à beira do vento,
- a hora teatral da posse.
E o poema cresce tomando tudo em seu regaço.
E já nenhum poder destrói o poema.
Insustentável, único,
invade as casas deitadas nas noites
e as luzes e as trevas em volta da mesa
e a força sustida das coisas,
e a redonda e livre harmonia do mundo.
- Em baixo o instrumento perplexo ignora
a espinha do mistério.
- E o poema faz-se contra a carne e o tempo.
Herberto Helder (1930 - 2015)
POEMA 31(+1)/31
Tem Cabeça, Mãos, Pés e Coração, Paul Klee (1879 - 1940) |
EN 267 - ESTRADA NACIONAL PARA CASA
Um nome sinuoso numa placa.
É no perfil dele que meço
As dimensões do meu tamanho.
Sempre que lá me apanho
De regresso,
É nele que se estaca
O meu destino.
De tal modo,
Que quando volto para onde estou,
Pareço aquele menino
Ansioso que passou
Todo o caminho
A perguntar ao pai,
Vencido cada metro de alcatrão:
«Já estamos onde aqueles que somos estão?»
«Já vai, já vai,
Já falta muito pouco para se chegar ao coração.»
Eduardo Jorge Duarte (1982 - )
2 comentários:
A poesia pode tudo, é como o coração, não tem limites. Mas a regra desta rubrica devia ser só uma: não vale fazer chorar o autor do poema. E este chorou.
Os meus parabéns aos alunos e aos professores da Escola Básica Manuel do Nascimento pelas escolhas dos poemas, dos quadros maravilhosos e das vozes tão cheias das entoações da terra que os ilustram.
Abraço-vos a todos e já não vos largo mais!
É bom e belo ouvir uma professora ler, no mês da poesia, da água e das árvores, o poema de um antigo aluno que se fez escritor.
É verdadeiramente bom e belo: há nisso algo de absolutamente Forte.
Que esse escritor seja da terra deve ser um motivo de grande orgulho para todos aqueles que moram «onde aqueles que somos estão». Para quem vem de fora, é uma alegria saber que um antigo aluno da escola pertence agora ao grupo dos escritores algarvios, não ficando, no seu amadurecimento e no que há por vir, a dever a nomes como Gastão Cruz, António Ramos Rosa, Casimiro de Brito, Lídia Jorge, Maria Aliete Galhoz, Nuno Júdice, Teresa Rita Lopes, a que se juntam, de Monchique, isto é, da sua «geodesia original», António Manuel Venda, António Silva Carriço, Manuel do Nascimento, José Rosa Sampaio (obrigada pelos poemas, André, esta é para ti! 😉 ). E tantos outros, que estão por chegar, ou quem sabe já chegaram e por aqui vão agora secretamente andando... Que a sua poesia e o seu Caminho podem inspirar, para a leitura e para a escrita, muitos alunos desta escola, isso é certeza e é mistério. OBRIGADA.
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