quinta-feira, 9 de março de 2023

UM POEMA POR DIA - MARÇO DE 2023 - «ENTRE AS DUAS E AS TRÊS»

 POEMA 09/03/2023

ENTRE AS DUAS E AS TRÊS 

 Queria falar do que não tem concerto:

 as letras desenhadas e compostas

 com que confundo o espaço do papel,

 a angústia compassada no contar

 e a súbita alegria de ser eu

 penosamente, às duas da manhã

 

 Queria escrever do que não tem lugar:

 a branca, doce e sonolenta estrada

 onde espaçadas as palavras crescem,

 suavizadas pelo lento sono

 que devagar percorre as coisas todas

 penosamente, às duas da manhã 

 

 Queria dizer do que não tem conserto:

 ou seja, eu; ou seja, o papel branco

 sombrio agora por já ser demais,

 as letras excedentes e sonoras

 desmembrando o silêncio e a noite toda

 penosamente, às duas da manhã

 

 Só então falarei do que ficou:

 compassada alegria desenhada

 na angústia de dizer sem me contar,

 o papel confundido de impotente

 e todavia prontas as palavras.
                   Quase às três da manhã. Penosamente.

Ana Luísa Amaral (1956 – 2022)

 Retirado de:  https://www.portaldaliteratura.com/poemas.php?id=1621

Quadro associado ao poema:

«Relógio mole no momento da primeira explosão» (1954), Salvador Dali (1904 – 1989).

Imagem retirada de: https://veja.abril.com.br/coluna/sobre-palavras/tempo-tempo/

Poema e quadro sugeridos por: Dalila Rio, 7.º C, n.º 3.


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