terça-feira, 17 de maio de 2022

ESCRIT@TOP.COM - CONTO XII «O PÃO DOS JUDEUS»

 O PÃO DOS JUDEUS

Fotografia: @Gil Matos

«É realmente uma maravilha que eu não tenha abandonado todos os meus ideais, porque eles parecem tão absurdos e impossíveis de realizar. Ainda os guardo, porque apesar de tudo, eu ainda acredito que as pessoas são realmente boas de coração.»

(in «O Diário de Anne Frank») 

Era uma vez um rapaz loiro de olhos azuis, sempre bem vestido e com uma boa disposição, do outro mundo. Na verdade, não havia ninguém com tão boa disposição como este rapaz.

Aquele sorriso do tamanho de uma bela fatia de melão só era irrelevante para os guardas alemães que, com as suas fardas, andavam com aquelas sinistras botas pesadas, fazendo um barulho infernal ao bater no chão de pedra.
Foi numa tarde de trovoada, com relâmpagos do tamanho de mil «flashes» fotográficos, que bateram à porta daquele casarão. Naquela casa de tamanho descomunal, apenas viviam o rapaz, a sua mãe e o seu pai.
Mal o rapaz abriu a porta, deu de caras com cinco soldados que, com umas caras de aço, fortes e brutas, agarraram no jovem e entraram pela casa adentro à procura de mais pessoas que lá pudessem estar. Já com os três moradores daquela casa reunidos, meteram-nos numa carrinha, com mais duas famílias lá dentro, sem saber o que lhes reservava o destino.
Quando o rapaz acordou, estava numa sala nojenta, com centenas de outras pessoas. Vestiu a roupa que lhe havia sido deixada e seguiu para a fila que estava à sua frente. Na sua vez, tatuaram-lhe o número «03570» e, só então, o rapaz foi levado embora. Pouco mais tarde, descobriu que estava num campo de concentração com mais milhares de pessoas. A partir desse momento, o rapaz começou a ficar «stressado» e irritado, pois ele nunca tinha lidado com tamanha pobreza. Estava habituado a roupas caras e não a um simples pano listado em forma de macacão. Também estava habituado a ter uma variedade enorme de comida ao pequeno-almoço, ao almoço e ao jantar, e não apenas pão, pão e pão. Com sorte, teria algum arroz de vez em quando, mas pão era mesmo o prato de todos os dias, naquele campo de concentração horrível.
Deram-lhe a hipótese de escolher uma profissão dentro do campo, com a qual pudesse ser útil, e ele, completamente furioso com a ideia de ter de trabalhar à força, lá escolheu ser padeiro e fazer o pão que ele comia todos os dias para sobreviver. Semana a semana, o rapaz ia enlouquecendo cada vez mais por não ter os privilégios a que sempre tinha sido habituado. Em vez disso, o horror absoluto. Até que chegou o dia em que se cansou. Perdeu as forças. Então, começou a insultar um guarda, até este se enraivecer. Mal o guarda se irritou, pegou na sua espingarda e baleou o rapaz com três tiros na cabeça, fazendo este cair desamparado, naquele chão de terra imundo.

Gil Matos, 9.º A, n.º 6

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