«[…]
Partiu, andando às guinadas, como um corpo sem alma. Sentiu-se no mundo mais só
do que nunca e descarregou contra si mesmo o veneno que trazia lá dentro
gritando até enrouquecer e ficar estendido, sem forças, nas pedras da calçada:
- Sapo
e Lagarto, o meu pai matou um porco!»
Manuel do Nascimento, «Sapo e Lagarto» in O Último Espetáculo.
Duas
filas de casa.
O
silêncio
a
beijar o pó que tomba na estrada.
Um
velho vestido de negro.
Gritos
que
rompem, cortam, rasgam.
As
tabernas. As crianças. O sol. Chuva.
E …
Para leres a história
original, requisita o livro O Último Espetáculo, bem pertinho de ti:
talvez o tenhas em casa; seguramente o encontrarás na biblioteca da tua escola.
Para conheceres a
outra parte da história, inventada pela tua colega Lisa Ferreira, do 7.º B, só
tens que continuar a ler, aqui:
- Será
que está morto?
- Está
consciente.
O pobre
acorda com a visão desfocada e mal se consegue levantar. No meio daquele
aglomerado, chega-se à frente um rapazinho de mais ou menos dez anos, e
estende-lhe a mão. O pobre, com receio, agarra-lhe a mão e levanta-se a custo.
Toda a
aldeia em volta dele se afasta, mas o Menino mantém-se ali, a olhar para ele. Em
seguida, dá-lhe um abraço. O pobre fica imóvel. O Menino larga-o. Fita-o e, num
tom de voz calmo, diz-lhe:
- Vem
comigo!
O pobre,
com um andar vagaroso, segue-o. O Menino levou-o a uma casa que não aparentava
ter grandes condições. De um armário tirou um pouco de pão e deu-lhe. O Homem
não demorou muito tempo a comê-lo, pois não se alimentava há muito tempo.
- Olá, eu
sou o José, mas quase ninguém me chama assim – começou por dizer o Menino. – Chamam-me Sem-abrigo! E tu? – O pobre não respondeu. Durante algum tempo houve
apenas silêncio e o barulho das crianças lá fora.
- Sabes – disse o menino –, não ligues ao que te chamam, há uma vida para passar e eu, um
amigo para desfrutá-la contigo. Não precisas de falar, se não quiseres.
O
pobre olha pela janela, para o monte, e vem-lhe uma lágrima ao olho, que lhe escorre
para o rosto. Desabafa:
- O meu
nome? Não tenho, mas sou o Sapo e Lagarto, se assim me quiseres chamar. Eu
perdi toda a minha família, o meu lar, e com isso a esperança de viver. Ganhei
o cansaço de estar vivo.
O Menino
não disse nada, por isso, o Homem continuou:
- Tu,
José, deste-me a mão quando ninguém mais o tinha feito, por isso, estou-te a
dar a minha confiança, a única coisa que me podes pedir.
Depois de o Menino consolar o Homem, resolveram ir dar uma volta à aldeia. Durante esse
passeio, um grupo de rapazes gritou em coro:
- Sapo e
Lagarto, o meu pai matou um porco!
- Sem-abrigo,
o teu lar é no meio do trigo!
O Homem e
o Menino viraram-se para os rapazes. Eles continuaram no mesmo sítio. O Menino
respondeu:
- Não, eu
não sou um sem-abrigo, eu tenho casa e nome! – E o pobre, seguindo o exemplo de
coragem do pequeno amigo, disse:
- Eu não
sou sapo, nem lagarto, sou uma pessoa!
Durante
uma semana, ninguém lhes dirigiu palavra, mas, passado algum tempo, já toda a
gente os respeitava e ninguém os excluía. O Menino passou a jogar com os outros
rapazes e o Homem passou a ir à taberna com os outros homens e começou a
participar das festas da aldeia.
O Homem e
o Menino passaram a viver juntos e, apesar da diferença de idades, tornaram-se
melhores amigos.
Lisa Ferreira, 7.º B, n.º 10.
1 comentário:
«Ganhou o cansaço de estar vivo.» Que grande frase, à Manuel do Nascimento! Parabéns, Lisa!
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