quarta-feira, 15 de fevereiro de 2023

EU, LEITOR(A), SUGIRO « O ÚLTIMO ESPETÁCULO» - SAPO E LAGARTO (TEXTO II)

 
Fotografia: @N.Lemos.

            «[…] Partiu, andando às guinadas, como um corpo sem alma. Sentiu-se no mundo mais só do que nunca e descarregou contra si mesmo o veneno que trazia lá dentro gritando até enrouquecer e ficar estendido, sem forças, nas pedras da calçada:
- Sapo e Lagarto, o meu pai matou um porco!» 

Manuel do Nascimento, «Sapo e Lagarto» in O Último Espetáculo. 

Duas filas de casa.

O silêncio
a beijar o pó que tomba na estrada.
Um velho vestido de negro.
Gritos
que rompem, cortam, rasgam.
As tabernas. As crianças. O sol. Chuva.
E …

 Estes são alguns ingredientes do conto «Sapo e Lagarto», escrito pelo autor monchiquense Manuel do Nascimento, que dá nome à tua escola!

Para leres a história original, requisita o livro O Último Espetáculo, bem pertinho de ti: talvez o tenhas em casa; seguramente o encontrarás na biblioteca da tua escola.
Para conheceres a outra parte da história, inventada pela tua colega Lisa Ferreira, do 7.º B, só tens que continuar a ler, aqui:

 (…) Na manhã seguinte, o pobre acordou deitado no chão, em frente à taberna, com o povo da aldeia à volta dele. Não se ouvia nada, a não ser o murmúrio das pessoas:

- Será que está morto?
- Está consciente.
O pobre acorda com a visão desfocada e mal se consegue levantar. No meio daquele aglomerado, chega-se à frente um rapazinho de mais ou menos dez anos, e estende-lhe a mão. O pobre, com receio, agarra-lhe a mão e levanta-se a custo.
Toda a aldeia em volta dele se afasta, mas o Menino mantém-se ali, a olhar para ele. Em seguida, dá-lhe um abraço. O pobre fica imóvel. O Menino larga-o. Fita-o e, num tom de voz calmo, diz-lhe:
- Vem comigo!
O pobre, com um andar vagaroso, segue-o. O Menino levou-o a uma casa que não aparentava ter grandes condições. De um armário tirou um pouco de pão e deu-lhe. O Homem não demorou muito tempo a comê-lo, pois não se alimentava há muito tempo.
- Olá, eu sou o José, mas quase ninguém me chama assim – começou por dizer o Menino.   Chamam-me Sem-abrigo! E tu? – O pobre não respondeu. Durante algum tempo houve apenas silêncio e o barulho das crianças lá fora.
- Sabes  disse o menino –, não ligues ao que te chamam, há uma vida para passar e eu, um amigo para desfrutá-la contigo. Não precisas de falar, se não quiseres. 
O pobre olha pela janela, para o monte, e vem-lhe uma lágrima ao olho, que lhe escorre para o rosto. Desabafa:
- O meu nome? Não tenho, mas sou o Sapo e Lagarto, se assim me quiseres chamar. Eu perdi toda a minha família, o meu lar, e com isso a esperança de viver. Ganhei o cansaço de estar vivo.
O Menino não disse nada, por isso, o Homem continuou:
- Tu, José, deste-me a mão quando ninguém mais o tinha feito, por isso, estou-te a dar a minha confiança, a única coisa que me podes pedir.
Depois de o Menino consolar o Homem, resolveram ir dar uma volta à aldeia. Durante esse passeio, um grupo de rapazes gritou em coro:
- Sapo e Lagarto, o meu pai matou um porco!
- Sem-abrigo, o teu lar é no meio do trigo!
O Homem e o Menino viraram-se para os rapazes. Eles continuaram no mesmo sítio. O Menino respondeu:
- Não, eu não sou um sem-abrigo, eu tenho casa e nome! – E o pobre, seguindo o exemplo de coragem do pequeno amigo, disse:
- Eu não sou sapo, nem lagarto, sou uma pessoa!
Durante uma semana, ninguém lhes dirigiu palavra, mas, passado algum tempo, já toda a gente os respeitava e ninguém os excluía. O Menino passou a jogar com os outros rapazes e o Homem passou a ir à taberna com os outros homens e começou a participar das festas da aldeia.
O Homem e o Menino passaram a viver juntos e, apesar da diferença de idades, tornaram-se melhores amigos.

Lisa Ferreira, 7.º B, n.º 10.

1 comentário:

Edu disse...

«Ganhou o cansaço de estar vivo.» Que grande frase, à Manuel do Nascimento! Parabéns, Lisa!