quarta-feira, 15 de fevereiro de 2023

EU, LEITOR(A), SUGIRO «O ÚLTIMO ESPETÁCULO» - SAPO E LAGARTO (TEXTO I)

Fotografia: @N.Lemos.

«Duas filas de casas frente a frente beijando o pó na estrada, ruelas contorcidas onde as rodas dos carros marcam sulcos cada vez mais profundos, homens sentados no chão, crianças jogando com bolas de trapo e … mais nada. Só os homens olhando o céu numa súplica, só as mulheres gritando pragas aos filhos que fogem. O resto é silêncio, é a vida parada num quebrar de anseios e de força que chega ao desespero. […]»

Manuel do Nascimento, «Sapo e Lagarto» in O Último Espetáculo.

 
O que pode levar uma aldeia inteira a zombar de um Homem só? O que pode levar todos os homens, mulheres e crianças incluídas de uma aldeia inteira a troçar de um pobre velho? Palavras como facas a cair sobre ombros fracos e gastos. A raiva. O que move a crueldade? Há limites para o perdão?

- Sapo e Lagarto, o meu pai matou um porco!

O conto «Sapo e Lagarto», do escritor monchiquense Manuel do Nascimento, aborda a questão do «bullying», de uma forma que suscita inúmeras questões. É um conto curto, mas profundo. Poderás, talvez, reconhecer nele Monchique e até algumas personagens que habitam atualmente na vila … apesar de o livro ter sido inicialmente publicado no já longínquo ano de 1955.

O Último Espetáculo, a que pertence o conto «Sapo e Lagarto», faz parte da biblioteca da tua escola. E encontra-se à tua espera!

Mas se quiseres saber como é que a tua colega Sofia Duarte, do 7.º B, continuou essa história, de forma bem expressiva, criando um final completamente diferente, só tens que continuar a ler esta publicação, o texto vem já a seguir. Vale a pena a leitura! 

(…) Em meados de dezembro, as crianças não podiam brincar na rua. Aquela dádiva do céu, tão esperada apenas há alguns meses, é agora a razão de toda a rua estar enlameada. Neste momento, os pequenos miúdos que lá moram passam o dia a olhar pela janela, vendo o céu chorar. Aguardando que talvez algo inesperado, eventualmente sinistro, atravesse aquelas ruas molhadas, entregando a todos um pequeno entretenimento.

Podendo ver aquele quotidiano, o desprezo é o prato principal. Apenas naqueles subúrbios, a indiferença – ao contrário da comida – era algo abundante. Entre aqueles caminhos (não podendo sequer ser chamados de ruelas), vivia um ser que noutros tempos tinha sido conhecido como compositor.
Há alguns anos, aquelas duas fileiras de casas não estavam sozinhas, eram acompanhadas por enormes prédios, onde se trabalhavam minerais e rochas vindos de uma pedreira lá perto, entre outras manufaturas. Mas o mais notável era a construção de instrumentos musicais para os vários teatros, escolas de arte e salas de espetáculos da zona. O pobre homem, agora isolado, era a razão da antiga cidade ter sido tão aconchegante, tão unida e com uma beleza incomparável. Atualmente, a localidade é revestida por uma enorme nuvem negra.
Passados alguns meses, as brincadeiras regressaram, tal como os raios de ouro. E como esperado por todos os habitantes, aquela pessoa, agora apagada como um risco de giz, apareceu. Trazia vestimentas negras, mas aquele chapéu, noutra altura escondendo o seu rosto, estava bem colocado. Transmitia um olhar provocador. O Homem foi para o centro da aldeia e gritou como nunca ninguém tinha gritado, como nunca ninguém tinha ouvido, como nunca ninguém alguma vez tinha imaginado:
- Sapo e lagarto!
Chamou a atenção de todos e com a mesma emoção voltou a gritar:
- O sapo mudou de tanque! O lagarto mudou de jardim! O coração que aqui morou está despedaçado em cada uma das vossa casas. Os prédios que havia foram demolidos, porque ninguém deu importância ao tesouro que tinham. A esperança saiu, tal como as pessoas que cá viviam. A beleza foi destruída pela corrupção, pelo egoísmo.
Tirou a guitarra que tinha às costas e cantou a canção que tinha escrito quando sentiu que a cidade onde tinha sido feliz tinha mudado de sítio. Agora, no mesmo local, cresciam furiosamente mágoas.
Por assim dizer, era o lugar onde a vida tinha florescido no melhor de si, aquela vida que nunca tinha esperado conhecer. O tempo passou. Mas, quando se apercebeu que as mesmas flores de antes estavam, afinal, debaixo do seu nariz, já tinha arrumado as malas e seguido viagem.

Sofia Duarte, 7.º B, n.º 14.

1 comentário:

Edu disse...

Uau! Que bonito! parabéns, Sofia!