quinta-feira, 10 de fevereiro de 2022

ESCRIT@TOP.COM - CONTO VIII «DE MANHÃ É QUE ESCURECE»

 DE MANHÃ É QUE ESCURECE 

Fotografia: @André Revés

Outrora, um menino atordoado, indo com o seu pai dentro de um carro veloz pela autoestrada, cuspiu para o exterior e o cuspo acabou por bater no vidro de outro carro. O outro motorista, assustado, ou talvez irritado, acelerou o mais rápido que pôde e foi bater na traseira do carro do pai do menino. Ambos morreram.

O menino abriu os olhos e viu uma luz cintilante. Quando teve os neurónios no sítio, virou-se para uma mulher bela, com um vestido de veludo branco e cabelos loiros. Logo teve medo que o coração saltasse para fora e foi, de imediato, dar-lhe um beijo. Perguntou-lhe onde estava e, com um belo sorriso, ela respondeu:
— No Céu.
Deitado numa cama de diamante, o menino lembrou-se da face do pai, quando aquele indivíduo bateu no carro. Era um olhar de medo e de susto. Antes do acontecido, o menino vivia num casarão que era demasiado grande para ele, mas que, na verdade, não passava de uma casinha tão pequena quanto uma casa de bonecas podia ser. E o quarto tinha um armário com tantas roupas quantas as moedas de um mendigo, uma cama de verga e um candeeiro com a luz sempre a piscar e um barulho tão agudo que parecia que ia explodir! Um anúncio ouviu-se vindo do céu e a mulher de veludo branco de novo apareceu. Disse-lhe que quem acertasse umas quantas perguntas iria voltar à Terra. Ele acertou tudo e regressou.
Voltou para casa e, no dia seguinte, foi para a escola, onde não esperava encontrar animais no lugar de professores e «aliens» como alunos, com chapéus a indicar o nome de cada um. Até que uma tempestade chegou perto da cidade e, naquela manhã, o céu escureceu e o chão estremeceu. O menino entrou dentro do seu quartinho e uma pessoa com dois milhões de metros pisou a casa e esmagou o menino. O menino acordou exaltado, porém estava tudo bem. Soava ao longe o pai, a chamá-lo para ir tomar o pequeno-almoço. Depois, refletiu, sentado na cama, de casa, do hospital ou de outro lugar qualquer, que estas coisas mirabolantes tinham sido apenas um sonho e quando olhou pela janela o céu continuava escuro.

André Revés, 9.º A, n.º 4.

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