domingo, 30 de janeiro de 2022

ESCRIT@TOP.COM - CONTO VII «PORQUE AS ESTRELAS NÃO ME SORRIEM»

Fotografia: @Leonor Valério.

 PORQUE AS ESTRELAS NÃO ME SORRIEM 

Desde que me conheço por gente, tenho um colar com uma estrela prateada, como um amuleto da sorte que me lembra de acreditar que eu sou dona do meu próprio destino. Apenas eu posso ser a estrela da minha vida. O meu amuleto foi-me oferecido pelo meu avô, antes de partir deste mundo. Eu era muito pequena e por isso não me lembro de ele mo ter dado. O que sei é apenas o que me contam. Nunca o usei, pois espero o dia em que não esteja capaz de tomar as minhas próprias decisões e a estrela as tome por mim, me diga o que fazer.

Levava uma vida calma e feliz, nunca precisei de usar o meu colar, parecia até que eu era abençoada. Estava no 3.º ano do curso de medicina; vivia num apartamento no meio da cidade de Florença, em Itália. Eu pertencia a um padrão de beleza que muitos comparariam à deusa Afrodite, o que é um erro enorme, visto que nunca devemos irritar os deuses ou seremos punidos.
Um dia, andava pelas ruas e vi um rapaz moreno, encantador, com um colar similar ao meu, parecendo isso até um feitiço. Apaixonei-me por ele imediatamente, uma força que nunca tinha visto antes. Algo com que eu nunca conseguiria lidar, pressenti-o logo. Ele reparou no meu olhar, que o fuzilava. Apresentamo-nos, conhecemo-nos e começamos a sair. Um romance perfeito à vista do mundo.
Um entardecer, eu vi-o sem o colar, pela primeira vez. Não o tirou propositadamente, o colar partira-se enquanto ele jogava basquetebol. Como uma boa apaixonada, fui buscar o colar caído no chão. Porém, ele foi agressivo, era como se o colar, colocado, servisse para o conter. Ele repôs o colar no pescoço e pediu desculpa. Eu aceitei, afinal nenhum relacionamento é perfeito.
Um anel, um casal e um lago. Eu sonhava levar o meu namorado àquele lago, e levei. Iria propor-lhe casamento. Lanchamos e, depois, mesmo de roupas vestidas, fomos para o lago nadar. Eu pus o meu colar e antes mesmo de pegar no anel, o rapaz moreno, assim que vira o colar a brilhar com a luz do fim de tarde, empurrou-me bruscamente. Fui puxada para o fundo do lago, naquele crepúsculo, com o meu colar a flutuar até às mãos daquele que agora era o meu assassino, quase que de uma forma irónica.
Ali fiquei, enrugada pela água, até que a próxima pessoa com um colar igual ao meu viesse ocupar o meu lugar.

Leonor Valério, 9.º A, n.º 11.

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