quarta-feira, 18 de novembro de 2020

ESCRIT@TOP.COM - CRÓNICAS I, II E III

 CRÓNICA I

Edward Hopper, Chair Car, 1965. 

Entrego as moedas necessárias, recebendo em troca um pequeno triângulo como bilhete de passagem. Permaneço mudo, assim como todos. A carruagem subterrânea quebra o silêncio com os seus ruídos, dando-nos permissão para entrar. O tenebroso silêncio em que me encontro tinha acabado de ser substituído por ruídos da ferragem barulhenta. Lá dentro, por detrás daquele ruído, o silêncio brincava enquanto infetava o lugar. Fico bem perto da janela, apoiando-me sobre a mesma, sossegado e mudo; embora a minha maior vontade fosse gritar o mais alto possível até alguém me mandar calar, para quebrar o silêncio.

Com os olhos cansados depois de um longo dia de trabalho, fico observando as pessoas. Das pessoas que observo, uma chamou-me mais a atenção: tem olhos castanhos e cansados assim como eu, uma postura descontraída e um ar pensativo. O que seria que ela estava a pensar? Queria poder saber, pois parece bem interessante...

Na minha paragem saio, caminhando assim para uma loja perto da minha casa. O barulho de nada apodera-se do local. O que se ouvia ali era unicamente o som das caixas registradoras e as crianças de fundo fazendo birra por os pais não comprarem aquilo que elas queriam. Parecendo que não, aqueles pequenos minutos eram aquilo de que eu estava a precisar. Há tanto tempo que não ouvia palavras, pensava até que os meus ouvidos estavam murchos. Aquela criança birrenta tinha acabado de fazer o meu dia! Depois de tanta procura, coloco tudo o que necessito na caixa de metal e dirijo-me à caixa de pagamentos. Aqueles cinco minutos de silêncio na fila à espera da minha vez pareceram uma eternidade…Implorava para que a criança voltasse a chorar e a fazer o seu pequeno escândalo para que eu pudesse ouvir alguma coisa mais do que o simples "pip pip" da caixa registradora.

Volto para casa exausto de tanto silêncio e ligo a televisão. Ai! Como é bom poder ouvir novamente vozes! Este silêncio está a dar cabo de mim. Se o futuro continuar assim, eu quero voltar para o passado.

 João Luís, N.º 11, 9.º B.

CRÓNICA II

Van Gogh, Caminhada ao longo do Sena perto de Asnières,  1887.

UMA JORNADA REPETITIVA

Saio da escola para as ruas molhadas com água da chuva: calmante e irritante. Choveu, todo o dia. Vou por essas ruas, a olhar para o chão ou em frente, vejo as caras familiares das pessoas do café e outras que nunca decoro.

Tudo se passa mais uma vez num silêncio enlouquecedor, mas já estou habituado. Vou pela velha passadeira, passo a rua, escolho o caminho mais prático, que tomo sempre. Lá vou eu, outra vez! Vou a pensar na comida que comi na escola, vou a pensar no que vou comer, penso nos meus amigos, bem, nos amigos da internet, ainda  assim os únicos que tenho: nem força da mente, nem prata da língua, nem experiência social, assim mesmo: não sirvo sequer para ser cinzas de lareira, nesse aspeto. Mas, mesmo assim, continuo a ouvir o som dos motores a passar enquanto ando. Já vou a dois terços do caminho, quase a entrar naquele pequeno cubo musical que é o meu quarto. Vou e vou e vou sem me divertir com o pouco que as paisagens têm para oferecer. Vejo algumas vacas, paredes cinzentas, árvores velhas com falta de pele, a estrada por baixo dos meus pés...Tudo com um ar acinzentado, débil, não importante. Sinto-me indiferente, assobio uma cançãozinha para acelerar o tempo, parece funcionar, continuo a marchar.

Finalmente, chego a casa, bato à porta, o irmão abre, entro, vou para a minha pequena casota, fecho a porta. Quero dormir, mas permaneço no computador. Não que faca diferença. Deito-me tarde, suspiro. Nada muda.

 Veleslav Kalabin, N.º 16, 9.º A. 

CRÓNICA III

L. S. Lowry, Indo para o trabalho, 1943.

ROBÔS COM PRESSA

Estava eu sentada num banco dentro do grande tubo sem fim, a estação de metro, quando reparei naquele vulto que desceu a escadaria e se meteu à minha frente, aguardando o metro. Era um vulto carregado de saudade e tristeza. Quando já fora do metro, o vulto entrou numa loja, e eu, curiosa, sentei-me e esperei que saísse. Saiu, olhou em volta e andou. Aí, perdi-o de vista, perdi de vista aquele vulto cheio de saudade, mas com forma de robô no seu trajeto programado.

Fiquei a pensar o que se passaria com ele, o porquê de andar tão tristonho e com ar de marionete. Depois olhei em volta e vi. Vi um mar de robôs, robôs a olhar para o telemóvel, robôs a gritar dentro dos carros, robôs sentados, robôs de todo o tipo. Andavam todos a uma velocidade extraordinária, não havia um que não estivesse com pressa, até os robôs mais velhinhos que andavam devagar andavam com pressa.

Pensei comigo mesma se eu não seria também um robô, e se quando as pessoas me viam também não me veriam como um robô, um robô cheio de pressa. Então, dei comigo a pesquisar no Google: «As pessoas são robôs?».

Aguardo resposta.

 Beatriz Morales dos Reis, N.º 4, 9.º B.

2 comentários:

Unknown disse...

Que espanto... muito bonito e cheios de qualidade... muito parabéns aos três e estou desejoso de ler e ver mais participações... algo vai sempre mudando slav... por vezes não tivemos o tempo necessário para nos apercebermos... Beatriz a resposta aguardada... se fores és bela, repleta de conteúdo e personalidade que transborda... muito bom também o teu João Luís... João Cristina.

Unknown disse...

Desculpa-me João Luís... tive que reler o tua crónica para poder assimilar melhor... por mim, o silêncio é maravilhoso... compreendo, são fases e momentos da vida que passamos de formas distintas... aprecio tanto a existência do silêncio profundo e prolongado... mas repito, compreendo e muitíssimas felicitações pela mensagem... João Cristina.