CRÓNICA I
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Edward Hopper, Chair Car, 1965. |
Entrego as moedas necessárias, recebendo em troca um pequeno triângulo como
bilhete de passagem. Permaneço mudo, assim como todos. A carruagem subterrânea
quebra o silêncio com os seus ruídos, dando-nos permissão para entrar. O
tenebroso silêncio em que me encontro tinha acabado de ser substituído por
ruídos da ferragem barulhenta. Lá dentro, por detrás daquele ruído, o silêncio
brincava enquanto infetava o lugar. Fico bem perto da janela, apoiando-me sobre
a mesma, sossegado e mudo; embora a minha maior vontade fosse gritar o mais
alto possível até alguém me mandar calar, para quebrar o silêncio.
Com os olhos cansados depois de um longo dia de trabalho, fico observando
as pessoas. Das pessoas que observo, uma chamou-me mais a atenção: tem olhos
castanhos e cansados assim como eu, uma postura descontraída e um ar pensativo.
O que seria que ela estava a pensar? Queria poder saber, pois parece bem
interessante...
Na minha paragem saio, caminhando assim para uma loja perto da minha casa.
O barulho de nada apodera-se do local. O que se ouvia ali era unicamente o som
das caixas registradoras e as crianças de fundo fazendo birra por os pais não
comprarem aquilo que elas queriam. Parecendo que não, aqueles pequenos minutos
eram aquilo de que eu estava a precisar. Há tanto tempo que não ouvia palavras,
pensava até que os meus ouvidos estavam murchos. Aquela criança birrenta tinha
acabado de fazer o meu dia! Depois de tanta procura, coloco tudo o que
necessito na caixa de metal e dirijo-me à caixa de pagamentos. Aqueles cinco
minutos de silêncio na fila à espera da minha vez pareceram uma
eternidade…Implorava para que a criança voltasse a chorar e a fazer o seu
pequeno escândalo para que eu pudesse ouvir alguma coisa mais do que o simples
"pip pip" da caixa registradora.
Volto para casa exausto de tanto silêncio e ligo a televisão. Ai! Como é
bom poder ouvir novamente vozes! Este silêncio está a dar cabo de mim. Se o
futuro continuar assim, eu quero voltar para o passado.
João Luís, N.º 11,
9.º B.
CRÓNICA II
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Van Gogh, Caminhada ao longo do Sena perto de Asnières, 1887. |
UMA JORNADA REPETITIVA
Saio da
escola para as ruas molhadas com água da chuva: calmante e irritante. Choveu,
todo o dia. Vou por essas ruas, a olhar para o chão ou em frente, vejo as caras
familiares das pessoas do café e outras que nunca decoro.
Tudo se
passa mais uma vez num silêncio enlouquecedor, mas já estou habituado. Vou pela
velha passadeira, passo a rua, escolho o caminho mais prático, que tomo sempre.
Lá vou eu, outra vez! Vou a pensar na comida que comi na escola, vou a pensar
no que vou comer, penso nos meus amigos, bem, nos amigos da internet,
ainda assim os únicos que tenho: nem força da mente, nem prata da
língua, nem experiência social, assim mesmo: não sirvo sequer para ser cinzas
de lareira, nesse aspeto. Mas, mesmo assim, continuo a ouvir o som dos motores
a passar enquanto ando. Já vou a dois terços do caminho, quase a entrar naquele
pequeno cubo musical que é o meu quarto. Vou e vou e vou sem me divertir com o
pouco que as paisagens têm para oferecer. Vejo algumas vacas, paredes
cinzentas, árvores velhas com falta de pele, a estrada por baixo dos meus
pés...Tudo com um ar acinzentado, débil, não importante. Sinto-me indiferente,
assobio uma cançãozinha para acelerar o tempo, parece funcionar, continuo a
marchar.
Finalmente,
chego a casa, bato à porta, o irmão abre, entro, vou para a minha pequena
casota, fecho a porta. Quero dormir, mas permaneço no computador. Não que faca
diferença. Deito-me tarde, suspiro. Nada muda.
Veleslav
Kalabin, N.º 16, 9.º A.
CRÓNICA III
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L. S. Lowry, Indo para o trabalho, 1943. |
ROBÔS COM
PRESSA
Estava eu
sentada num banco dentro do grande tubo sem fim, a estação de metro, quando
reparei naquele vulto que desceu a escadaria e se meteu à minha frente,
aguardando o metro. Era um vulto carregado de saudade e tristeza. Quando já
fora do metro, o vulto entrou numa loja, e eu, curiosa, sentei-me e esperei que
saísse. Saiu, olhou em volta e andou. Aí, perdi-o de vista, perdi de vista
aquele vulto cheio de saudade, mas com forma de robô no seu trajeto programado.
Fiquei a
pensar o que se passaria com ele, o porquê de andar tão tristonho e com ar de
marionete. Depois olhei em volta e vi. Vi um mar de robôs, robôs a olhar para o
telemóvel, robôs a gritar dentro dos carros, robôs sentados, robôs de todo o
tipo. Andavam todos a uma velocidade extraordinária, não havia um que não
estivesse com pressa, até os robôs mais velhinhos que andavam devagar andavam com
pressa.
Pensei
comigo mesma se eu não seria também um robô, e se quando as pessoas me viam
também não me veriam como um robô, um robô cheio de pressa. Então, dei comigo a
pesquisar no Google: «As pessoas são robôs?».
Aguardo
resposta.
Beatriz
Morales dos Reis, N.º 4, 9.º B.