sábado, 2 de abril de 2022

LER+ COM HISTÓRIA E EXPRESSÃO: DIÁRIO DE UM JUDEU

A disciplina de História do 9.º ano, mais concretamente o tema da Segunda Guerra Mundial/Holocausto, continua a motivar os alunos, de forma orientada, mas também autónoma, para a leitura de obras literárias relacionadas com esta temática.

Tal como nos anos anteriores, as leituras começaram, coletivamente, com a obra O Caderno do Avô Heinrich, de Conceição Dinis Tomé, nas aulas de Educação Visual, assim como quem ouve música, enquanto se desenha.

Posteriormente,  o professor de História incentivou os alunos a ler O Diário de Anne Frank, neste ano em que se assinalam os 75 anos da primeira publicação desta obra, e desafiou-os a imaginar e a escrever três páginas de uma diário, colocando-se na pele de um judeu clandestino.


Transcrevemos, a seguir, três desses trabalhos, em representação de cada uma das turmas.

DIÁRIO DE UM JUDEU I

Quinta-feira, dia 9 de julho de 1942

      Olá, Lua!

      A situação no mundo está terrível. Já estava nos planos fugir por causa da guerra, mas foi necessário adiantar a nossa fuga. Estamos escondidos num anexo secreto do meu pai. Não é um lugar luxuoso, nem lá perto, nem um lugar onde nos podemos sentir seguros. Não somos privilegiados de chegar a casa depois de um dia cheio, saltar para a cama e dizer “lar, doce lar”. Aqui o medo é constante. Confesso que chego a sentir medo de respirar e alguém ouvir. Mas, infelizmente, este será o nosso “lar” pelos próximos tempos. Não é de todo aquilo que idealizamos, mas é o que a vida nos permite neste momento.

      Agora necessito de descanso. Toda esta mudança radical está a dar cabo da minha cabeça.
      Até amanhã, Lua. Beijinhos da tua eterna Ana!

Segunda-feira, dia 21 de setembro de 1942

         Querida Lua,

       Estamos aqui há pouco mais de um mês e eu já não aguento mais estar aqui. Sinto falta da minha vida antiga, de sair sem medos, aproveitar a minha adolescência. Nunca ninguém espera um dia passar por esta situação, falo por mim. Nem nos meus piores pesadelos eu vivi algo assim. De dia, apenas somos capazes de ouvir o barulho que vem da rua, porque, aqui dentro, ninguém se atreve a fazer um mínimo barulho que seja. Esta fase é a pior de toda a minha vida e mal posso esperar para acabar.

        Até amanhã, querida Lua. Está na minha hora de dormir.
        Beijinhos da tua Ana!

Quinta-feira, dia 10 de dezembro de 1942

      Minha Lua,

     Estamos a chegar ao final do ano. Este foi um ano de loucos, literalmente. Lembro-me perfeitamente do primeiro dia do ano, eu estava cheia de expectativas. Seria o melhor ano da minha vida, eu sentia isso. Mas estava enganada.

    Nunca vi os meus pais tão desanimados, mas não os condeno, sinto-me da mesma forma, também não sinto animação para nada. Passo os meus dias, que parecem não ter fim, a tentar perceber o que se passa na vida lá fora, mas tudo o que consigo ouvir são os pequenos pássaros a chilrear e, com sorte, vejo um ou outro a voar. E acredita, Lua, para mim já é gratificante. Mas tenho saudades de sentir a brisa fresca contra o meu rosto enquanto ando sem rumo, sempre contigo debaixo do meu braço. Espero poder voltar a sentir essa sensação o mais breve possível, e que eu e os meus possamos estar sempre juntos e em segurança, mesmo que seja quase impossível.
      Fica bem, Lua, vou sempre dar-te mais novidades sobre a minha vida entediante.
      Beijinhos da tua Ana.

      Ana Marques, 9.ºA, N.º 3

Capa do diário manuscrito de Anne Frank
Data de consulta: 2 de abril de 2022.

DIÁRIO DE UM JUDEU II

Dia 23 de agosto de 1942

               Querido Harry,

            Desculpa não ter escrito nestes últimos dias, mas aconteceu tanta coisa que nem sei por onde começar.

            Com a invasão dos alemães tivemos que nos esconder. Estamos escondidos na cave de uns amigos dos meus pais. Aqui o ar é mais pesado, mas é muito espaçoso, tem um quarto para cada um e fica outro a sobrar. Sinceramente não sei o porquê de terem uma cave assim, mas ainda bem que têm.
            O meu quarto tem apenas umas aberturas em que dá para ver a rua. Tenho passado os dias a ajudar os meus pais a organizar o esconderijo e a ler. Também tenho brincado com o meu irmão, por isso é que levei estes dias sem escrever, mas agora prometo que vou escrever mais.

    Teu David

Dia 5 de setembro de 1942

              Querido Harry,

            Hoje vou falar da comida, como sabes não costumo falar disso, mas acho que devias saber como tem sido a alimentação no esconderijo.

            Infelizmente, aqui não há muita escolha, mas já estou grato pelo esforço dos amigos dos meus pais para nos trazerem o que podem. Tenho comido muitas sandes com manteiga, são simples, mas boas. Os almoços e os jantares costumam ser batatas cozidas com o que se arranja como, por exemplo, milho, cenouras e às vezes peixe ou carne.

  Teu David

Dia 18 de novembro de 1942

               Querido Harry,

            Já estou farto de estar aqui fechado, queria sair, ver as plantas, as árvores e principalmente as pessoas. Há muito que não conheço ninguém novo. Eu gosto da companhia da minha família, mas às vezes gostava de ter amigos e amigas da minha idade ou até uma namorada, mas duvido que isso vá acontecer. Por hoje é tudo.

  Teu David

David Nobre, 9.º B, N.º 7

Páginas originais manuscritas do diário de Anne Frank
Data de consulta: 2 de abril de 2022.


DIÁRIO DE UM JUDEU III

Quinta-feira, 9 de abril de 1942 

Querido Pablo,

Estou farta.
Hoje as tropas americanas renderam-se aos japoneses em Bataan. Talvez este simples acontecimento não faça grande diferença em relação à minha situação aqui em Amsterdão. Porém, quem sabe? Ainda tenho esperança de poder sair deste cubículo e cheirar a erva do campo num dia de chuva, navegar em novos livros e ter um futuro.
Como sabes, nunca fui muito popular na escola. Não tinha muitos amigos. Sempre fui um pouco solitária. Os meus colegas punham-me de parte apenas pela minha religião, mas nunca imaginei que algum dia estaria em risco de morte só por ser judia. Apenas queria ter uma infância normal, em que pudesse ser igual às outras crianças, brincar com elas e uma adolescência em que não estivesse fechada neste anexo.
Estou aqui, nesta lata de sardinhas, há cerca de seis meses. Espero sair rapidamente. Já não aguento as rações, os bombardeamentos constantes, as pessoas que estão aqui comigo, o medo de ir para um campo de concentração.
Para viver desta maneira, quase que preferia não viver.

Tua Anne.

Sexta-feira, 17 de abril de 1942

Querido Pablo,

Ontem à noite a morte cruzou-se com os meus olhos. Amsterdão foi bombardeada pelos Nazis. 
O meu dia correu bastante bem, muito tranquilo. Comecei com aulas. O Papá está a tentar manter-me no sistema escolar caso venha a regressar à escola. De seguida, fui tomar banho. Às sextas-feiras costumo tomar banho com uma torneira ligada ao lavatório da cozinha. Depois do banho li um pouco. Almocei feijão com arroz, outra vez. Depois, passei a tarde a jogar jogos de tabuleiro com as minhas irmãs. Após isso tudo, jantei e fui deitar-me.
À uma e cinco começaram a tocar sirenes em toda a cidade. Só me lembro da Mamã a tentar acordar a casa toda para irmos para a cozinha, pois este era o sítio mais abrigado do anexo. Era lá que estava o rádio, porque não havia janelas para vermos o que se passara. Foi aí que me apercebi de que a cidade estava a ser bombardeada. Os barulhos das bombas e os gritos das pessoas traumatizaram-me. Nunca tinha estado tão assustada como naquela noite. Deixei-me dormir abraçada à Mamã.
Hoje estou grata por estar viva. Tivemos sorte por não termos sido atingidos nem descobertos. Apesar de não gostar de estar presa aqui, se calhar é a minha única solução. Ontem percebi que não queria morrer.

Tua Anne.

Domingo, 5 de julho de 1942 

Querido Pablo,

Os meus pais estão a considerar emigrar para outro país, talvez Portugal ou Espanha. Porém, essa tarefa não é muito fácil. “Como é que iríamos passar despercebidos com tantas forças militares ao nosso redor?”, “Como é que chegaríamos lá? De carro, de comboio, de barco...” “E será que vamos ser aceites lá?”. Estas perguntas encheram logo a minha cabeça assim que ouvi a ideia.
Por outro lado, tenho levado dias a imaginar como seria ter uma vida normal. Fazer amigos, ir à escola, correr, ver as estrelas... era tão bom. O pensamento de que há possibilidades de sair daqui antes do final da guerra e ter uma vida normal, é glorioso.
Mas esta ideia está a provocar muitas discussões aqui no anexo. O Papá quer ir a pé e partir pelas montanhas para não sermos vistos. Porém, a Mamã não gosta dessa ideia pois é uma longa viagem. Já a tia Alice diz que devemos ir de comboio. Isto é uma grande confusão. Quando eles chegarem a um acordo, a guerra já terá terminado.

Tua Anne.

Riana Venda, 9.º C, N.º 12

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