Afinal, como terminará aquela história que a professora de Português da turma B do 6.º ano começou a ler na aula?
Que terá acontecido ao gato Teodósio, que já não tinha qualquer serventia na casa nova, onde não havia o mais leve vestígio de RATOS, e cuja indolência era uma provocação para os adultos e um mau exemplo para as crianças?!
Se bem se lembram, o senhor pai havia sentenciado:
"- (...) Ele, que tanto tem vadiado em casa, que vá vadiar para a rua. Tenho dito".
Pois bem, aqui fica o final da história:
(...) E o senhor pai fez um sinal à senhora mãe, que toda a gente à volta da mesa compreendeu. Levantou-se a senhora para ir à despensa buscar o cesto, quando o gato Teodósio se desenrolou muito bem desenrolado e se levantou da almofada de franjas, onde se instalara.
Da mesa, o senhor avô, a senhora avó, o senhor pai, a senhora mãe e os miúdos fitaram-no com prolongado olhar de reprovação, muito mais prolongado do que aquele que haviam dirigido, pouco antes, à prima Elisa. O feixe de olhares parecia dizer, como se de um coro se tratasse: «Vejam o lorde, o rei, o faraó, que acorda da sua sesta. Vejam esta pouca vergonha de madracice em quatro patas. Temos ou não temos razão? Claro que temos.»
O gato Teodósio, depois de se levantar, espreguiçou-se, ora para trás ora para a frente, arqueou-se todo que até parecia a ponte da Arrábida, esticou as patas e, feito isto com o maior ripanço, sentou-se nos quartos traseiros, lambeu os bigodes e, virado para os da mesa, disse:
- Escusam de ir buscar o cesto. Dispenso esse incómodo. Depois de tudo o que acabo de ouvir, seria indesculpável falta de brio da minha parte, se continuasse mais um minuto que fosse nesta casa. Portanto, vou-me embora e pelo meu pé.
E o gato Teodósio, majestosamente, levantou-se da almofada e tomou o caminho da porta. Seria faltar à verdade se disséssemos que esta inesperada fala não provocou efeito. O avô começou a tamborilar com os dedos no tampo da mesa, um pouco comprometido. A avó pôs-se a enrolar e a desenrolar a ponta do xaile, o que queria dizer alguma coisa. O senhor pai coçou a cana do nariz. A senhora mãe piscou os olhos e suspirou baixinho; e no coração dos rapazes, quem estivesse de ouvido à escuta, conseguiria ouvir o «trrre-trrre-trrre» do bichinho do remorso a começar a roer.
- Bem vês, Teodósio, nós... – ia explicar o senhor pai.
O gato atalhou:
- Não mereço mais palavras. O que está dito, está dito. Um bichano como eu é útil, enquanto a sua presença é desejada. Os gatos servem para isso: para fazer companhia, para receberem festas (é bom fazer festas no pelo de um gato!), para dar umas turras e umas roçadelas nas pernas dos bons amigos, para brincar, quando é caso disso, mas fundamentalmente, para oferecer a sua presença tranquila dentro de casa. Como acham que isto não conta, vou-me embora. Adeus.
E o gato Teodósio foi-se embora mesmo.
Na sala, à volta da mesa era como se tivesse faltado a luz. A prima Elisa, então, despediu-se, porque se estava a fazer tarde, mas ninguém lhe prestou atenção.
- Bichinho gato! Bichinho gato, onde te meteste tu? – chamava ela na rua, pouco depois.
O gato Teodósio apareceu, saído debaixo de um automóvel.
- Vem para a minha casa que eu trato-te bem. Já há tempos que andava a pensar que precisava da companhia de um gato. Vivo sozinha, sabes? É uma casa modesta, mas descansa que nada te faltará.
O gato Teodósio ronronou meigamente, agradecido, e a história podia acabar aqui.
Mas não podia acabar sem contarmos um facto que ultimamente nos tem feito uma certa espécie.
É o seguinte: de há uns tempos para cá, os rapazes passaram a visitar com mais frequência a prima Elisa e até os pais e os avós têm lá ido fazer-lhe um bocadinho de companhia. Porque será?
Torrado, António, "A minha prima Elisa", in Os meus amigos, Lisboa: Edições Asa, 1993.